sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Assim foi Tordesilhas em 2 Rodas...

Parte I: DF, Goiás e Minas

Desde julho de 2014 planejava fazer essa rota aqual chamei Tordesilhas em 2 Rodas. Baseado no meridiano de Tordesilhas, que delimitava as terras descobertas por Portugal e Espanha, em 1492, determinado pela posição 49º 45' W. Uma linha imaginária que passa por Belém, ao norte e Laguna, no sul do país.

Bem, no dia 30 de agosto de 2015 finalmente coloquei a bike na estrada, repleto de felicidade... Foram 38 dias de pedal, atravessando 5 estados mais o Distrito Federal. Enfrentando as 4 estações de clima, saindo debaixo de sol de 36 graus, passando por locais onde a temperatura chegava a 38 (Ourinhos-SP), e enfrentando 13 graus, em São Bento do Sul-SC.

Foi divertido, restaurador e de crescimento. Como das anteriores, sem grandes perrengues. Isso, graças à proteção divina, creio, aliado a um detalhado planejamento antecipado, não seguido à risco, como é de se esperar, mas nenhuma mudança radical.

Pelo projeto original deveria passar por 45 cidades, por uma rota mais por cidades pequenas, pegando estradas secundárias, trechos de terra inclusive. Mas por força das circunstâncias financeiras (não consegui nem um terço do necessário, tendo que financiar do meu próprio bolso, bem raso normalmente...), reduzi esse número para 36 cidades, utilizando estradas maiores, que garantiam mais velocidade no todo. E fiquei em 30, pois o clima no Sul estava muito instável, com frente fria chegando ao estado de Santa Catarina, o que me fez interromper em Blumenau e retornar.

SOB OS DOMÍNIOS DO SOL

Saí de casa ali pelas 8 horas da manhã pois iria pedalar somente em torno de 60 km no dia. O que não foi o que aconteceu, pois ampliei um pouco a meta, percorrendo 94 km. Sem intercorrências notáveis. Pelo caminho ia encontrando outros ciclistas, quando parava para explicar a aventura. Quando peguei a primeira subida mais acentuada abri o bico. O sol estava castigando mesmo e como prefiro o asfalto, sentia mais ainda seus efeitos, com o calor nas costas e refletido pelo asfalto me invadia por baixo... Perto de Luziânia, a 56 kms, tive que empurrar...

Odômetro registrando a quilometragem na saída

Ainda no Guará
Conhecendo ciclistas pelo caminho
Entrada de Luziânia
Preferi esticar até o povoado de São Bartolomeu, às margens do rio que leva esse nome, porque dali até Cristalina, cerca de 35 kms, seriam de subida constante, sem trégua. Não tão ingrime, mas quase sem trechos planos ou de descida para tomar fôlego.

De São Bartolomeu, no segundo dia, estiquei até o Posto Ponte Alta, perfazendo 96 km. Esse posto fica entre as cidades de Cristalina e Campo Alegre de Goiás, usado como apoio de caminhões, ônibus e carros particulares, uma vez que esse trecho é bem árido, relevo bem plano, o que dá sono na gente, mesmo pedalando. Aqui nesse posto usei pela única vez o saco de dormir que levei para emergências. Tem um hotel no posto, eu tinha essa informação, mas estava lotado quando cheguei. Felizmente quem ocupava todas as dependências do hotel eram os funcionários da empreiteira responsável pelas obras de duplicação da BR-050 e, após uma conversa rápida com o responsável pelo acampamento (eles tem diversos containeres habitáveis pois o hotel é pouco para a quantidade de gente deles), obtive permissão para dormir em sua área, ficando mais seguro assim.

Uma curiosidade. No km 141, pouco antes do Ponte Alta, existe (existia) um local chamado de Templo da Ciência. Seu criador foi um engenheiro que conheci em Brasília, até fiz uns trabalhos de editoração para ele, Paulo Gontijo, cientologista, que construiu com recursos próprios o local. Havia observatório astronômico, planetário, peças de importância história para a ciência. Infelizmente após sua morte, em 2002, o templo foi desativado, a família não se interessou em continuar seu legado. Uma pena. Se quiserem saber mais, leia aqui:



Povoado de São Bartolomeu

Chegando a Cristalina...
...e visitando um dos patrocinadores, o Sabin, em Cristalina
Qualquer sombra era aproveitada para reidratar

O Templo da Ciência está abandonado. Só o zelador e sua família e cães...

Dependências da construtora, onde passei a noite, no Ponte Alta
No terceiro dia pedalei apenas 60 kms, pois saí tarde novamente. Cheguei a Campo Alegre de Goiás, uma pequena cidade que surgiu em função da construção de Brasília, como a maioria das pequenas cidades no eixo da BR-050. Hoje vive da agricultura, desenvolvida mais nos últimos 20 anos, o que lhe garante uma alta renda per capita. Não a visitei pois cheguei cansado e dormi muito, acordando já ao anoitecer e não me animei a percorrer a cidade.
Belos ipês, uma constante

Campo Alegre de Goiás
Atendente do hotel, nova amizade. Uma constante na viagem
De Campo Alegre de Goiás a Catalão foram 73 km. Também passei batido pela cidade, apenas pernoitando em um hotel à beira da estrada. Dali até a divisa com Minas Gerais, 38 km, iria descer bastante, uma alegria sem tamanho. Mas que acabaria tão logo passasse a ponte sobre o Rio Paranaíba... iria subir muito mais.

Já conheço muito bem essa estrada (Viajo constantemente de Brasília a São Paulo em carro ou ônibus) por isso estava preparado para o que iria enfrentar: 38 kms de serra, com mais sobe do que desce, culminando com a Serra do Rio Jordão, que eu rebatizei de Serra do Quebra-Perna... não quebrou a minha literalmente, mas o descanso da bike não aguentou quando eu a arrumava para fazer uma foto.

Pires Belo

De Catalão até a divisa com MG quase só descidas...
Em Araguari houve um desencontro com o amigo Riberto, que se dispusera a me hospedar; ele teve compromissos até 11 h da noite. Como tinha chegado ali pelas 16:30, procurei um hotel barato, nas imediações da rodoviária. Sempre que chego em cidade desconhecida vou direto para a rodoviária, pois em seu entorno existem hotéis e pousadas acessíveis. Claro que na maioria das vezes a qualidade não é essas coisas, mas para quem só quer saber de um chuveiro, uma janta e cama, nada a reclamar.

Aqui inicia um calvário: 30 kms de serras
Aproveitando as raras sombras de árvores
Serra do Rio Jordão. Essa foi marcante.



O Glaucio e o Riberto, que me acompanharam até a rodovia, na saída

Em Uberlândia fui hospedado pelo amigo Leonardo, a quem não conhecia pessoalmente (amizade via Facebook, como a maioria. Muita gente condena o face dizendo ser um vício, que isso e aquilo, de negativo. Sabendo usar, trata-se de grande ferramenta). No dia anterior à minha partida, ele "assou uma carninha" e tomamos umas cervejinhas... resultado: no dia seguinte ele fez questão de me levar até a metade do caminho para Uberaba, que no total é de 107 km. Confesso que não chegaria de dia se fosse pedalar todo o trecho.

Em Uberlândia, além de dar um bom ajuste na bicicleta - câmbio e freios - comprei duas garrafas térmicas para água, pois duas das que eu carregava eram comuns e, com o sol de quase 40 graus sob o qual pedalava, a água ficava quente, quente mesmo em pouco tempo...

Rio Araguari, separa esta cidade de Uberlândia

e tome serra de novo. 
Conhecendo ciclistas pelo caminho

Visita ao patrocinador. Aqui o Sabin se chama Ipac...
O Leonardo, que me ajudou mais do que devia

Chegando em Uberaba
Uberaba tem significado marcante para mim. Como viajo bastante entre Brasília e São Paulo, de carro, a cidade fica na metade do caminho, 500 kms pra lá ou pra cá. Costumo parar para um lanche ou almoço, dar aquela estirada nas pernas antes de seguir viagem.

Para contrariar esse medição, cheguei lá com o odômetro marcando 490 km, quando deveria ser algo em torno de 550, por aí. Isso graças à carona do Leonardo...

Lá fiquei hospedado pela Ana Laura, moça simpática que está se preparando para uma viagem pela América do Sul, de bike, lógico. A poucos kms antes da cidade, passei pelo Posto Caxuxa II, para um lanche. Um fato curioso e que me surpreendeu ocorreu aqui: conversando com a garota que me atendeu (deve ter uns 18 anos), contei-lhe da minha aventura e indagado, disse-lhe que ia ficar hospedado na casa da Ana Laura, que eu combinara com ela pela Internet... Ela fez uma cara de preocupação e espanto e me pergunto "se eu não tinha medo de fazer isso..." - Olha, isso acontece muito, as pessoas marcam encontro pela Internet e depois matam as pessoas... Certamente ela assiste a todos esses programas mundo-cão das nossas tvs...

Um encontro inesperado: na casa da Ana Laura encontrei ninguém menos que o Denizart, também por uns dias lá. Nossa história em comum: uns 15 dias antes de sair na minha viagem, estava pedalando am Brasília e o telefone toca. Era o Denizart, pedindo um lugar para ficar uns dias, pois estava em Brasília. Claro que o hospedei (ele me encontrou pelo WarmShowers). Ele está pedalando pelo mundo desde 1999. Prestes a entrar para o Guiness. Na China teve tudo roubado, por isso voltou ao Brasil para regularizar documentos e tal. Agora está tentando voltar para concluir a viagem que lhe dará o título no Guiness.

Cheguei sábado e no domingo fomos à praça onde tinha um show de rock, com uma banda cover dos Beatles, o que eu nem adorei...

O Denizart e a Ana Laura

Parti em direção a Conceição das Alagoas, sem nenhum destaque merecido. Dali fui para Frutal, onde peguei o primeiro trecho de estrada ruim, sem acostamento e com movimento intenso de caminhões (cadê as ferrovias???!!!). Foram 77 km nesse ritmo, somente os 10 últimos, já perto de Frutal, sendo melhores. Enfrentei o maior vento contra de todas as viagens, com muita poeira, acho que deve ter chegado a uns 30 km/h, o que me atrasou um bocado. Cheguei quase anoitecendo, e pra ajudar, um toró despencou assim que entrei na cidade. Mas pedaleiro não chora, pedala!

Saindo de Uberaba





Até chegar a Frutal, a estrada é bem ruim mesmo. E teve muito vento contra

Após Frutal, o primeiro km na BR-153
Aparecida de Minas é a capital do abacaxi...

Aqui acaba o trecho pelo estado de MG
... a saga continua em outro post. Obrigado pela leitura.


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