quinta-feira, 23 de junho de 2016

Por que viajar? Por que não viajar?

Para quem não conhece minha história como cicloviajante uma explicação.

Comecei a viajar em bicicleta em setembro de 2013, como busca de algo para modificar minha vida que se estagnou e me fez regredir, em muitos aspectos, após 20 anos de depressão profunda.

Na primeira viagem pedalei 1.340 kms, pelo estado de São Paulo. Gostei. Gostei tanto que não deu mais vontade de parar, por mim viajaria pelo mundo afora sem me preocupar com o tempo ou com a volta. Mas infelizmente meu limitador principal é o dinheiro, ou a falta dele. Assim, faço viagens esporádicas, 2 ou 3 ao ano, limitadas a uns 500, 700 kms.

Mas quem experimenta desse "vício" entenderá: é muito difícil ficar parado vendo o mundo pela TV. O corpo pede, a alma pede uma viagem...

Porém - e sempre tem um porém, como dizia Plínio Marcos, algumas características pessoais minhas são uma barreira para essas aventuras:

1. Sou um ser estritamente urbano. Com 64 anos de idade, sempre morei em cidades grandes ou médias, sem contato com o rural, com a aventura. Daí minha preferência, durante as cicloviagens, por dormir em hotéis e pousadas, o que torna essas viagens mais dependentes de dinheiro;

2. Por não ser mais jovem e pretender viver pelo menos uns 10 anos mais, sou muito precavido, medroso mesmo com relação aos perigos inerentes a esse tipo de aventura. Por isso prefiro viajar por estradas asfaltadas, por regiões mais habitadas; e

3. Esse longo período em depressão me tornou uma pessoa bastante individualista, pendente para solitário mesmo. Disso surge minha resistência a pedalar em grupos, prefiro fazê-lo sozinho, o que contraria o item 2. Por isso também não sou muito comunicativo, com dificuldades de me aproximar das pessoas pelo caminho. Um grande entrave.

Bem, essas são as regras até aqui seguidas por mim. Mas após se meter no mundo de aventureiros, a gente descobre que regras devem ser quebradas. Além disso, o ser humano está sempre em busca de ampliar seus limites, assim como um alpinista começa por um morrinho perto de sua casa e, quando vê, já está lá pelo Everest...

Eu também me encantei a ponto de pretender romper com minhas regras e estou querendo viajar para terras mais distantes, desafiantes como não encontro aqui pelo Brasil. Estou encantado com as possibilidades que a Argentina oferece, mais pela região semidesértica dos Andes que as planícies geladas da Patagônia.

Pensei em percorrer a RN 40, estrada ícone na Argentina, com extensão de 5.100 km, atravessando o país de Norte a Sul. Tal extensão e devido a natureza diversa de clima e topografia, exige bem mais recursos - financeiros e físicos - que as viagens que já fiz até agora. Daí planejei dividir a tarefa em 3 ou 4 viagens distintas, em épocas diferentes.

Finalmente, cansei de pedir dinheiro com patrocínios. Recentemente percorri algumas empresas em Brasília, sondando essa possibilidade, mas foi decepcionante, além de uma delas me receber com piadinhas idiotas a respeito. Então fica decidido que só viajarei com meu dinheiro. E dos filhos, hehe...

A primeira viagem teve um significado único, pois representou a superação de frustrações que se acumularam por 60 anos. Tenho como objetivo, agora, viagens maiores, que representem novos desafios. Talvez uma viagem à Argentina não se confirme neste ano, oxalá em março ou abril de 2017. Para não me desesperar farei algumas viagens por São Paulo mesmo, afinal tenho 6 rotas já estudadas, planejadas, desenhadas, prontas para ser posta em prática. Além de participar de um ou outro Desafio de MtB...

Esses quase 3 anos de viagens me transformaram. Não sei se exatamente para bem, ou para melhor. Uma das mudanças que sinto intensamente é a questão da solidão e individualismo. Que se solidificou. Hoje me sinto bem à vontade estando desligado de pessoas afetivamente. Quando me vi sem recursos, sem poder participar ativamente da vida social a que nos vemos obrigado no dia a dia, num primeiro momento sofri muito, me amargurei e me senti um pária, inútil para o mundo. Felizmente superei essa dor e me assumi assim. Viajar sozinho exige que você se vire só, que  interaja com estranhos sem estabelecer vínculos permanentes. Pena que demorei tanto tempo para compreender isso; se soubesse há 30, 40 anos atrás minha história teria sido bem diferente...

Obrigado pela paciência de ler tudo isso. A gente se vê.